Paciente está internada na unidade de terapia intensiva por choque séptico de foco pulmonar. Apresenta-se hipotensa, apesar da hidratação vigorosa e do uso de droga vasoativa, está intubada e em ventilação mecânica. Os parâmetros ventilatórios são: volume-corrente de 600 mL, frequência respiratória 24, pressão de suporte de 10, PEEP 10, FiO² 50%. A gasometria arterial evidenciou pH 7,30, pCO² 15, pO² 90, bicarbonato 10, satO² 90%. Quais são os distúrbios do equilíbrio ácido-básico que este paciente apresenta?
a) Distúrbio misto não compensado. Acidemia com acidose metabólica primária, alcalose respiratória primária.
b) Distúrbio misto não compensado. Acidemia com acidose metabólica primária, alcalose respiratória secundária.
c) Distúrbio simples não compensado. Acidose metabólica primária, alcalose respiratória secundária.
d) Distúrbio simples compensado, Acidose metabólica primária, alcalose respiratória secundária.
e) Distúrbio misto compensado. Acidemia com acidose metabólica primária, acidose respiratória primária.
Comentário: Para diagnosticar os distúrbios gasométricos do equilíbrio ácido-básico, o primeiro passo é memorizar (para nunca mais esquecer) os valores normais do sangue arterial:
pH: 7,35-7,45 (média: 7,40)
PCO²: 35-45 mmHg (média: 40 mmHg)
HCO³: 22-26 mEq/L (média: 24 mEq/L)
Quando o pH arterial encontra-se (<) 7,35, temos uma acidemia, e quando o pH arterial está (>) 7,45, estamos diante de uma alcalemia. A primeira conclusão, portanto, é que o paciente do enunciado tem uma acidemia. De fato, isto não ajudou muito na escolha da opção correta.
Para entender a definição de acidose e alcalose, é importante conhecermos a relação do pH sanguíneo com os níveis de CO² (que representa o “ácido”) e de HCO³-, ou bicarbonato (que representa a base). Na verdade, o próprio aparelho de gasometria utiliza esta relação para calcular o bicarbonato, pois a máquina só é capaz de mensurar o pH, o pCO² e o pO². Através do pH e do pCO², o HCO³- é calculado automaticamente pela fórmula de Henderson-Hasselbalch: pH = 6,1 + log [HCO³-/(0,03 x pCO²)].
Repare que, pela fórmula, o pH é diretamente proporcional à relação HCO³-/pCO², que representa a relação base/ácido. É exatamente deste conceito que vem a definição de acidose e alcalose.
Acidose é um distúrbio que provoca uma tendência à acidemia (queda do pH sanguíneo), seja por redução dos níveis de HCO³- (acidose metabólica), seja pelo aumento dos níveis de CO² (acidose respiratória). Se você observa a gasometria e identifica um pH baixo e um HCO³- baixo, o distúrbio é com certeza uma acidose metabólica. Mas se o pH estiver baixo e a PCO² elevada, o distúrbio é uma acidose respiratória.
VÍNCULO CEREBRAL: HCO³- baixo = acidose metabólica; PCO² elevada = acidose respiratória.
Alcalose é um distúrbio que provoca uma tendência à alcalemia (aumento do pH sanguíneo), seja por aumento dos níveis de HCO³- (alcalose metabólica), seja pela queda dos níveis de CO² (alcalose respiratória). Se você identifica na gasometria um pH alto e um HCO³- alto, o distúrbio é com certeza uma alcalose metabólica. Mas se o pH estiver alto e a PCO² baixa, o distúrbio é uma alcalose respiratória.
VÍNCULO CEREBRAL: HCO³- elevado = alcalose metabólica; PCO² baixa = alcalose respiratória.
Analise a gasometria do nosso paciente: pH = 7,30; PCO² = 15 mmHg; HCO³- = 10 mEq/L.
O que temos?
Um pH baixo ((<) 7,35), um HCO³- baixo ((<) 22 mEq/L) e uma PCO² baixa ((<) 35 mmHg). Pelo “vínculo cerebral”, temos uma acidose metabólica (HCO³- baixo) e uma alcalose respiratória (PCO² baixa).
Como o pH está baixo (acidemia), o distúrbio mais importante é a ACIDOSE METABÓLICA. Mas como explicar a alcalose respiratória associada?
Um pH baixo ((<) 7,35), um HCO³- baixo ((<) 22 mEq/L) e uma PCO² baixa ((<) 35 mmHg). Pelo “vínculo cerebral”, temos uma acidose metabólica (HCO³- baixo) e uma alcalose respiratória (PCO² baixa).
Como o pH está baixo (acidemia), o distúrbio mais importante é a ACIDOSE METABÓLICA. Mas como explicar a alcalose respiratória associada?
O nosso organismo tem a capacidade de “compensar” parcialmente os distúrbios ácido-básicos primários (acidoses ou alcaloses). Na acidose metabólica, por exemplo, o centro respiratório é ativado pela acidemia, promovendo hiperventilação (respiração de Kussmaul) e reduzindo a PCO² (hipocapnia). O objetivo é evitar grandes oscilações da relação HCO³-/pCO². A “compensação” nunca é completa - ela apenas previne uma queda absurda do pH, mas não evita a queda do pH na acidose metabólica.
A observação clínica e os estudos experimentais constataram que a resposta compensatória da acidose metabólica primária é previsível. Ou seja, sabendo o nível de HCO³-, podemos calcular a PCO² “compensatória” do paciente. É só utilizar a fórmula: PCO2 esperada = [(HCO³- x 1,5) + 8] + 2 mmHg.
A observação clínica e os estudos experimentais constataram que a resposta compensatória da acidose metabólica primária é previsível. Ou seja, sabendo o nível de HCO³-, podemos calcular a PCO² “compensatória” do paciente. É só utilizar a fórmula: PCO2 esperada = [(HCO³- x 1,5) + 8] + 2 mmHg.
Perceba que a resposta “compensatória” de uma acidose metabólica primária é uma alcalose respiratória secundária. O distúrbio ácido-básico dito primário é aquele que provocou as alterações gasométricas, isto é, o responsável pela alteração do pH. Por outro lado, o distúrbio ácido-básico dito secundário é simplesmente a resposta “compensatória” esperada.
VÍNCULO CEREBRAL: distúrbio ácido-básico secundário = resposta “compensatória”.
Ah! Então, o nosso paciente tem uma acidose metabólica primária junto com uma alcalose respiratória secundária? Este é o “X” da questão... A resposta é não!
Vamos ver por quê...
Lembre-se que o nosso paciente tem uma acidose metabólica, com HCO³- = 10 mEq/L. Qual seria a PCO² “compensatória” esperada?
É só usar a fórmula acima (que você acabou de memorizar): PCO² esperada = [(HCO³- x 1,5) + 8] + 2 mmHg.
Fazendo o cálculo: PCO² esperada = 23 + 2 mmHg. Isto significa que a PCO² do paciente deveria estar entre 21-25 mmHg.
Lembre-se que o nosso paciente tem uma acidose metabólica, com HCO³- = 10 mEq/L. Qual seria a PCO² “compensatória” esperada?
É só usar a fórmula acima (que você acabou de memorizar): PCO² esperada = [(HCO³- x 1,5) + 8] + 2 mmHg.
Fazendo o cálculo: PCO² esperada = 23 + 2 mmHg. Isto significa que a PCO² do paciente deveria estar entre 21-25 mmHg.
No entanto, a sua PCO² é de 15 mmHg. Qual a razão desta discrepância?
Só há uma explicação: o seu distúrbio ácido-básico não é puro - não se trata de uma acidose metabólica simples, isolada. Em outras palavras: ele tem um distúrbio misto!! Na verdade, um distúrbio misto não-compensado, pois o seu pH não está normal. Se o distúrbio é misto, por definição, existem DOIS distúrbios primários do equilíbrio ácido-básico. Como a PCO² está bem abaixo do esperado, a alcalose respiratória não é secundária (lembre-se: “secundária” = “compensatória”), mas também primária. Concluindo: São dois distúrbios primários:
Só há uma explicação: o seu distúrbio ácido-básico não é puro - não se trata de uma acidose metabólica simples, isolada. Em outras palavras: ele tem um distúrbio misto!! Na verdade, um distúrbio misto não-compensado, pois o seu pH não está normal. Se o distúrbio é misto, por definição, existem DOIS distúrbios primários do equilíbrio ácido-básico. Como a PCO² está bem abaixo do esperado, a alcalose respiratória não é secundária (lembre-se: “secundária” = “compensatória”), mas também primária. Concluindo: São dois distúrbios primários:
- Acidose metabólica
- Alcalose respiratória.
No caso, a acidose metabólica é mais grave do que a alcalose respiratória; por isso, o pH está baixo e temos acidemia. Veja agora as opções.
Ficou claro que a resposta da questão só pode ser a opção (a)!
Ficou claro que a resposta da questão só pode ser a opção (a)!
Para complementar: Quais são as causas deste distúrbio misto?
A acidose metabólica provavelmente está sendo causada pelo choque séptico (acidose lática) e a alcalose respiratória provavelmente deve-se à hiperventilação iatrogênica (volume corrente alto no ventilador mecânico) e à taquipneia do paciente (relacionada à doença pulmonar). A conduta, neste caso, é tratar agressivamente o choque séptico e reduzir o volume corrente do ventilador. Não há indicação de se administrar bicarbonato de sódio na acidose lática, a não ser que o pH esteja baixíssimo ((<) 7,10) - neste caso, o bicarbonato de sódio poderia ser feito na dose de 50 mEq (50 mL), IV, lento, visando um pH (>) 7,15.
A acidose metabólica provavelmente está sendo causada pelo choque séptico (acidose lática) e a alcalose respiratória provavelmente deve-se à hiperventilação iatrogênica (volume corrente alto no ventilador mecânico) e à taquipneia do paciente (relacionada à doença pulmonar). A conduta, neste caso, é tratar agressivamente o choque séptico e reduzir o volume corrente do ventilador. Não há indicação de se administrar bicarbonato de sódio na acidose lática, a não ser que o pH esteja baixíssimo ((<) 7,10) - neste caso, o bicarbonato de sódio poderia ser feito na dose de 50 mEq (50 mL), IV, lento, visando um pH (>) 7,15.
GABARITO OFICIAL: (a).
Autora: Karina Gusmão UFRJ